segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O mar não está para peixes

Não há escolha
É tocar o barco
Negociar com o vento
Estancar a sangria
Com o torniquete d'alma
Soltar as velas
E se entender com o leme
Fazer acordo com a maré
Sentir a brisa na rosto
Respirar mais uma vez
O mar é dono do destino 
E não está para peixes
A navegação da vida
Exige calma e paciência
E não há carta náutica
Que ensine o exato caminho
db

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Egrégora de dois na Paulista

Adoro quando japoneses
param na minha banca
de poesia na paulista.
Adoro pela sua falsa
simplicidade, pela sua
suposta timidez, pela
sua fala baixa.
Eles chegam em silêncio
com a cabeça baixa,
compenetrados.
E quando se interessam,
olham com aquele sorriso
discreto, que diminui ainda
mais os olhos pequenos.
Os mais velhos destilam
mansamente uma
sabedoria de vida e de
tradição que sempre
me encanta.
Os mais novos também
tem um DNA de sabedoria
que me intriga.
As mulheres orientais,
especialmente as japonesas
e descendentes têm alguma
força que não se encontra
em manuais ocidentais.
Talvez um passado atômico,
talvez uma experiência milenar
ou tudo junto tenha
feito dessas mulheres
pessoas especiais.
Domingo uma dessas
mulheres especiais
passou por lá.
Uma senhora, pequena
e magra, vestida com roupas
esportivas ocidentais que só os
orientais mais velhos usam
para passear.
Perguntou silenciosamente,
sem uma palavra, apenas
com um gesto, se poderia
ler as poesias que
distribuo de graça.
Eu, ocidental acidentado,
pouco afeito à delicadeza
de um gesto, quebrei o
encanto do silêncio e falei
que ela ficasse à vontade.
Eram dezenas de poesias
na caixinha de madeira.
Ela, em pé, ia lendo uma
a uma e após ler, empilhava
cuidadosamente o papel lido
no cantinho da caixa.
Eu observava apreensivo.
Sempre fico apreensivo
quando leem minhas poesias,
mas com ela minha costumeira
insegurança era maior,
silenciosamente eu ansiava pela
sua aprovação.
Aquela pequena senhora oriental
ali na rua naquele momento, era
muito maior que eu.
Vez por outra ela respirava fundo
ao terminar a leitura de uma poesia.
Teria gostado?
Teria se decepcionado?
E foi lendo sem pressa,
separava algumas em
um outro ponto da caixa.
De repente, ela levantou os olhos
para mim e disse:
- Todas suas?
Eu disse sim com a cabeça
(um gesto meu finalmente)
- Que inspiração!
Eu respirei aliviado, ela continuou
usas leituras e eu fiquei observando.
Notei que ela não lia algumas
até o final e ela teve ter
percebido que notei por
telepatia pois logo em seguida
me explicou baixinho:
- Só leio até o fim se o assunto
me interessa.
Voltou a ler.
Sem tirar os olhos do papel,
como que com vergonha,
ela começou a me contar
que também escrevia
Disse que tinha participado
de um concurso de poesias
cujo tema era escravidão
e que todos escreveram sobre
um lugar chamado Palmares e
um homem chamado Zumbi.
Coisas das quais ela nunca
havia ouvido.
A poesia dela, que foi premiada,
falava de um despertador que
quando tocava era como uma
chibata que estalava e ardia
nas suas costas e a fazia levantar
e trabalhar todos os dias da vida.
Contou que sua alforria só veio
quando começou a escrever poesia.
Ao final da leitura de todas
ela separou duas.
(Sei quais foram e também as escolheria)
Levantou seus olhos novamente para mim
e disparou:
- Quem é Manoel de Barros?
(Ri feliz internamente)
Contei para ela quem era.
Ela sorriu e perguntou:
- Eu encontro no google?
Eu disse que sim,
que felizmente sim e
que procurasse por
"poesia de Manoel de Barros"
Ela finalizou:
- Dizem que a gente aprende três coisas novas
todos os dias. Hoje você me ensinou a terceira.
Sorri e não disse nada, ela disse adeus
com um gesto de cabeça e foi embora.
Eu fiquei agradecendo
pela dádiva de poder fazer poesia.

db (05/02/2018)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

O que é viver

Ter que se doar
em muitos
e não conseguir
Pagar promessas
que não se fez
para santos em que
não se acredita
Se achar um
poço que
transborda
insuficiências
Eis aí o que
é que é viver

db